O que é luto?
Essa é uma pergunta difícil de ser respondida, porque o luto pode ter um significado diferente para cada pessoa, pautado na sua história de vida e na cultura. Por isso você pode vivenciar o luto de maneira muito diferente daqueles com quem convive. Podemos dizer que o processo de luto é vivenciado cada um à sua maneira. Se você pedir para alguém definir luto em uma única palavra, é muito provável que a definição seja algo muito parecido com tristeza, perda, sofrimento e dor.
Segundo o dicionário Michaelis, luto significa um sentimento de pesar ou tristeza pela morte de alguém, mas não só isso, é também usado para uma tristeza profunda causada por grande calamidade, dor, mágoa e aflição. Seguindo esse conceito, pense em todas as perdas que você já teve em sua vida. As perdas começaram antes mesmo de você ter condições de entender o que que estava acontecendo, no seu nascimento.
O primeiro luto que você enfrentou em sua vida foi o nascimento, quando foi separado do corpo da sua mãe, tempos depois enfrentou o desmame, em algum momento da vida pode ter precisado do cuidado de alguém que não fosse sua mãe e houve outra separação, quando começou a ir para a escola e precisou deixar o convívio diário com a família. A cada mudança de ano escolar deixando a professora e os colegas de classe, a formatura, mudanças de trabalho, término de um namoro, quando sai de casa para estudar ou casar-se, enfim você vive o processo de luto em várias fases da vida. Além disso você pode ter vivenciado a morte de um animalzinho de estimação, perda que fez com que você enfrentasse o luto.
De todas as perdas e separações que vivemos, a luta que você enfrenta quando alguém que você ama morre, provavelmente, é a mais difícil e dolorosa de todas. Segundo Parkes, “para a maioria das pessoas, o amor é a fonte de prazer mais profunda na vida, ao passo que a perda daqueles que amamos é a mais profunda fonte de dor.” Aqui você poderá entender um pouco melhor sobre como enfrentar a morte de quem se ama.
Por que luta no luto?
Enquanto falamos em amor estamos falando em construção de vínculo, em relações reforçadoras, já a morte é a ruptura, é a perda desse vínculo que é tão significativo, acompanhada da perda de reforçadores importantes. Podemos dizer que amor e morte são dois lados da mesma moeda.
Embora a morte seja um processo universal, natural e inerente a condição humana, a maioria das pessoas vivem como se ela não existisse ou como se fosse algo vivido apenas na velhice e muitas vezes faz com que você não se prepare para esse momento. Por ser um processo natural, ele pode acontecer em qualquer fase da vida. Seguem alguns pontos que fazem desse processo de luto ser ainda mais doloroso:
- Falta de controle sobre a morte. Por mais que você tenha conhecimento sobre o que está acontecendo, a gravidade do estado de saúde de alguém, a medicina demonstrando que não há mais nada a ser feito, ainda assim você não tem o controle se a morte acontecerá e nem quando acontecerá.
- Morte pode ser inesperada. Um acidente, um assassinato, e outras fatalidades que podem tirar a vida de alguém de forma repentina e inesperada. Certamente a surpresa da morte de alguém próximo a torna mais difícil de ser aceita, com impactos na sua vida e necessidade de adaptações para todos que conviviam com quem se foi. A aceitação dessa condição pode ser mais difícil e demorada.
- Desenvolver repertório para lidar com a perda. Talvez você nunca tenha convivido com a morte de alguém próximo ou nunca tenha participado de um ritual fúnebre e, além de toda dor inerente a perda, enfrentar algo novo pela primeira pode ser complexo. Um outro exemplo, é quando quem morreu ocupava um papel importante, como responsável pelos cuidados da casa ou responsável pelas finanças, dentre outras. Tais papéis devem ser mantidos por alguém, que provavelmente terá que desenvolver novas habilidades, e se adaptar a essas situações pode ser difícil num momento de luto.
- Sofrimento para quem fica e muitas vezes para aquele que está morrendo. Em casos de doença, além do doente conviver com suas próprias dificuldades da doença, saber que está causando sofrimento e dor para aqueles que ama é uma situação muito aversiva. Até o fato de ter que comunicar sobre a doença para alguém, por exemplo, implicará no sofrimento de outros, tornando a situação mais difícil.
Por que tudo fica mais difícil agora com o COVID?
O contexto de pandemia que estamos vivendo modificou os rituais e a forma como costumávamos nos despedir de alguém que morreu. O conhecido processo de despedida, que até então fazia parte do protocolo de vivência do luto foi totalmente modificado. Os velórios foram abreviados ou deixaram de existir, enterros com nenhuma ou poucas pessoas, caixões lacrados em algumas situações. Além disso, os enlutados estão impossibilitados de receber condolências e contar com a rede de apoio, que antes estava presente, mas no momento de pandemia, por uma questão de saúde coletiva, deve estar distante. No cenário de pandemia vivemos a morte em massa, onde o conforto e a segurança já não são como antes. Vivemos dias difíceis e esses fatores tornam a luta no luto ainda mais desafiadora.
É possível superar o luto?
O luto envolve Processo, Adaptação e Ausência, ou seja, é um processo de adaptação à uma nova realidade para lidarmos com a ausência. É um processo que pode incluir tristeza, choro, dor e até raiva em alguns casos, mas não tem como não vivenciar. Deixar de enfrentar algumas situações que podem lembrar do falecido ou por serem dolorosas demais, faz com que você evite o sofrimento hoje, mas em algum momento não terá como evitar. Evitando é como se você prorrogasse o tempo de dor.
Você já deve ter ouvido falar em elaboração ou superação de luto. Pensar dessa maneira é como se você considerasse o luto como se fosse um obstáculo para ser passado por ele ou pode te dar a ideia que um fenômeno acontecerá, e você deixará de sentir a dor que está sentindo. No caso do luto, essa suposta superação não existe, invés disso, há um processo que embora tenha causado dor, foi enfrentado e vivenciado.
Além de permitir-se sentir e lidar com a ausência da pessoa, o luto implica um processo de adaptação em inúmeros sentidos. Adaptar-se à vida apesar da ausência, adaptar-se a uma nova forma de viver e/ou adaptar-se aos impactos que a ausência da pessoa no ambiente que você vive. Isso implica adaptação a uma nova realidade, porque nada do que fizer ou te disserem trará a pessoa de volta e, a partir do que aconteceu, há a necessidade de se adaptar a vida com a ausência de quem se foi.
Vamos pensar em alguém que perde o pai, que era o responsável por fazer o almoço para família aos domingos. Domingo talvez se torne o pior dia da semana, pois ela se deparará com a ausência de alguém, que além de ser uma figura afetiva importante, também não estará lá para fazer o almoço no domingo. À medida que se vivencia a dor da perda, a vida vai seguindo e alguém passa a desempenhar as atividades que aquela pessoa desempenhava, por exemplo, ao invés da reunião habitual com o pai, todos passam a almoçar fora, ou algum convidado traz um prato diferente para o almoço. As situações vão se adaptando de uma maneira diferente, com a certeza que nada será mais como antes, mas a vida seguindo aos poucos.
Logo isso passa... será?
O fato é que a sua vida não será mais como antes, nada do que falarem, nada do que acontecer ou nada do que fizerem trará a pessoa de volta. Aceitar isso e viver nessa condição, de fato é uma luta, uma luta que se vive na maior parte das vezes sozinho, já que cada um enfrenta o luto à sua maneira. Permitir-se sentir aquilo que for adequado para o momento pode favorecer para que você se respeite, aceite a sua dor, aceite seus sentimentos, seja coerente com o momento que está vivendo.
Alguém que você ama não estará mais com você, aprender a viver apesar da perda e apesar da dor é o que poderá ajudar a seguir em frente.
E então o que fazer?
O que se tem a fazer, é reaprender a viver apesar da perda. O primeiro ano vivido após a perda certamente é o mais difícil, pois a pessoa amada não estará presente em datas comemorativas importantes. Datas que antes eram comemoradas junto e tinha um valor afetivo importante, agora são vivenciadas de uma maneira diferente, o que poderá causar dor e sofrimento. Você já deve ter ouvido alguém dizer que sua dor foi amenizada com o tempo. A dor não é algo que simplesmente desaparece, mas você aprende a viver de uma maneira diferente e adaptada, apesar da dor.
Será que existe uma melhor fase nessa luta?
Talvez você já tenha ouvido falar que o luto é marcado por algumas fases: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão, até chegar finalmente na aceitação. Essas fases existem como uma forma didática para explicar que alguns comportamentos são comuns e esperados nesse processo de luto, mas não significa que elas existam de forma tão linear e sequencial quanto você pode pensar, não significa também que você necessariamente passará por todas as fases até chegar na aceitação.
Cada um vive o processo de luto de maneira muito particular e única, afinal estabelece relações únicas com as pessoas e a luta que enfrenta ao perder alguém é igualmente única.
Você pode ter tido perdas significativas em sua história de vida, mas teve também uma rede de apoio ao seu redor que validou seu sofrimento, sua dor e contribuiu para que você pudesse vivenciar esse processo de uma forma mais saudável. Talvez uma outra pessoa nunca tenha perdido alguém e falte a ela preparo para lidar com a situação.
E quando quem enfrenta a luta é uma criança?
Podemos ensinar a criança, independente da sua idade, que a morte é um processo natural e faz parte da vida, para isso, aproveite todas as oportunidades que surgirem. Seja com uma plantinha que ela cuida e morre, a morte de um peixinho, morte de alguém distante dela, toda oportunidade é oportunidade de aprendizado. Quando você não inclui a criança no contexto, quando deixa de explicar e falar sobre a morte ou até mesmo uma doença, você está privando a criança de aprender a enfrentar a situação e criar recursos para lidar com ela.
Dar a criança a dimensão de que a morte é uma condição natural da vida, faz com que ela entenda que pode acontecer, sendo esse o primeiro passo para que ela desenvolva condições de enfrentamento da situação.
Dependendo da idade da criança ela não vai conseguir entender o que é a morte, nem que um dia ela vai morrer. Essa é uma ideia que a criança vai aprendendo com o tempo, não sendo esse tema um tabu no ciclo familiar, facilita muito o processo de entendimento.
Recomendações que poderão ajudar a criança a vivenciar o processo de luto:
- Responder as dúvidas da criança a partir do referencial que ela já tem, do entendimento dela e do que ela conhece sobre a morte;
- Dar à criança a dimensão de morte a partir do que a família acredita;
- Envolver a criança no ritual fúnebre junto com os adultos. Para isso, é necessário explicar antecipadamente para a criança o que acontecerá. Deixar a criança fazer parte da escolha da música, do que será falado, ela poderá escrever uma cartinha ou fazer um desenho para ser colocado próximo ao caixão como forma de homenagem, esses são exemplos que poderão contribuir com o processo de enfrentamento da criança;
- Dizer para a criança como ficarão as coisas apesar da morte, com quem ela poderá contar, qual será sua rede de apoio, o que mudou e o que não mudou a partir da perda;
- Construir com a criança uma caixa de recordações com fotos e objetos que podem ter um valor afetivo e representar bons momentos que viveu junto com a pessoa que morreu; e,
- Os adultos não devem esconder seus sentimentos da criança, dessa forma ela se sentirá segura e validada para expressar o que está sentindo também.
Até quando vai o sofrimento?
Encaramos como normal e em alguns casos até esperado o sentimento de raiva, tristeza, o choro, sofrimento, questionar-se quanto ao que aconteceu, deixar planos e projetos de lado e até mesmo não querer retomar sua rotina. Tudo isso é esperado para esse momento de luto, por um tempo. Para alguns o luto pode durar 6 meses, 1 ano, para outros um pouco mais. Não existe um tempo certo, pois cada um encara a situação de maneira única, como já disse.
O tempo de duração e a intensidade que se vive esse processo de adaptação que determinarão a necessidade de recorrer a uma ajuda profissional. Com o passar do tempo, com o passar dos dias estão havendo sinais de mudança, sinais de que a vida começa a seguir apesar da perda ou continua com a mesma sensação de perda, como se fosse a primeira semana de luto. Se você percebe que não está conseguindo retomar a rotina, os projetos e a vida não estão retomando, apesar da perda, é sinal que necessita de ajuda.
Psicólogos e Psiquiatras costumam trabalhar em conjunto, alguns casos apenas a psicoterapia é suficiente para ajudar no processo de retomada, em outros casos faz-se necessário o uso de algum medicamento, até que se reestabeleça emocionalmente e retome o controle da sua vida. O profissional escolhido para ajudar avaliará a situação sob a perspectiva de quem está sofrendo e oferecerá alternativas para que se viva bem, que a vida continue, apesar da perda.
Quais sinais indicam complicações nesse processo de luto?
- Evitar falar sobre o tema;
- Evitar sentir e demonstrar suas emoções a respeito da perda; e,
- Viver a perda 24 horas por dia há bastante tempo.
É possível lidar de uma maneira saudável com o luto?
Existem algumas maneiras que podem contribuir para vivenciar a luta no luto de uma maneira um pouco mais saudável:
- Aceitar a condição que a pessoa se foi e nada do que for feito agora vai traze-la de volta;
- Viver a dor que precisa ser vivida, por mais doloroso que isso possa ser, não evitar o contato com coisas ou situações que possam lembrar a pessoa. A ideia de poupar o sofrimento pode somente prorrogar o tempo de dor;
- Estar aberto a aprender coisas novas, experimentar novas possibilidades de vida, contribuirá para adaptação da nova realidade apesar da ausência;
- Dar o sentido de morte no contexto daquilo que se acredita, independente de sua crença religiosa ou de qual é o entendimento que se tem sobre a morte. Ter a clareza do que é a morte pra você pode te ajudar a viver esse processo de uma maneira mais leve;
- Viver as alegrias que surgirem, mesmo durante o processo de luto. Permita-se desfrutar do carinho que recebe de alguém, dos gestos de acolhimento e alegrar-se com os pequenos bons momentos que surgirem. Nossa vida não é feita apenas de momentos ruins, existem os bons momentos, eles são saudáveis e também merecem ser vividos.
A luta no luto, por mais difícil e dolorosa que seja, é um processo que deve ser vivenciado. Esquivar-se de situações que podem ser dolorosas, invés de amenizar a dor, podem prolongar o sofrimento. Adaptar-se a vida de uma maneira diferente e permitir-se desfrutar de momentos agradáveis, pode contribuir para que se sinta melhor apesar da perda. Conte com sua rede de apoio e não deixe de pedir ajuda profissional, caso perceba que não está conseguindo retomar sua vida após a morte de alguém.
Referências:
BARBOSA, Lucas. Luto e análise do comportamento: reflexões e críticas. Youtube, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jJ6_s0eTuIo
PARKES, Murray Colin. (1998) Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus Editorial.
WIELENSKA, Regina. Manejo do luto na psicoterapia: um estudo de caso. Youtube, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uc9dVGgN1-Q
Dicas de leitura:
A morte é um dia que vale a pena viver – Ana Claudia Quintana Arantes
Histórias lindas de morrer – Ana Claudia Quintana Arantes
Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas – Harold S. Kushner
Dicas de filme:
A culpa é das estrelas | Cake: uma razão para viver | Como eu era antes de você | Já estou com saudades | Manchester à beira mar | O rei leão | Para sempre | Pronta para amar | PS: eu te amo | Último amor de Mr. Morgan | Um momento pode mudar tudo | UP: altas aventuras
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