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A arte da procrastinação

  • Foto do escritor: Luciana Vanini
    Luciana Vanini
  • 30 de abr.
  • 9 min de leitura

As variáveis são infinitas quando falamos dos motivos da procrastinação, por isso o sofrimento de muitas pessoas com relação ao tema. Sem contar que a popularização do termo contribui para que vez ou outra, nos deparemos com alguém se dando o título de procrastinador(a) e achando isso um grande problema, que se agrava quando é cobrado(a) justamente por aquele item da lista que não deu conta de fazer. Tudo isso somado a dificuldade de posicionamento, dificuldade de dizer não e lidar com a resolução de problemas, olha o tamanho da encrenca!


Estudando sobre gestão do tempo, me deparei com um conteúdo bem interessante, que não se trata de uma fórmula mágica, mas pode ampliar o seu olhar sobre o tema e quem sabe promover mudanças na maneira de agir para que você consiga fazer boas escolhas e ficar em paz com elas. O que você vai ler abaixo são recortes literais de um capítulo do livro Quatro Mil Semanas: gestão do tempo para mortais, que me chamaram muita atenção, com pitadas do meu olhar sobre o tema.


Quando falamos em gestão do tempo, o grande desafio não é sobre como conseguir fazer todas as coisas, mas como decidir de maneira mais sábia possível o que não fazer e como se sentir em paz quanto a não ter feito.


Como diz o escritor e professor americano Gregg Krech, precisamos aprender a nos sair melhor em procrastinação. Alguma procrastinação, de algum tipo, é inevitável: de fato, em algum momento você estará procrastinando em quase tudo, e no fim de sua vida terá andado por aí não fazendo quase nada do que teoricamente poderia ter feito. Assim, a questão não é erradicar a procrastinação, mas escolher mais sabiamente o que você vai procrastinar para poder focar no que mais importa. A medida real de qualquer técnica de gestão de tempo é se ajuda ou não ajuda você a negligenciar as coisas certas.


A questão essencial não é como diferenciar entre atividades que importam e aquelas que não importam, mas o que fazer quando coisas demais parecem ser pelo menos um pouco importantes, e portanto indiscutivelmente coisas que deveríamos fazer.


Felizmente, um punhado de mentes mais inteligentes abordou esse mesmo dilema, e chegou em três princípios mais importantes:


Negligência criativa

O princípio número um quando se trata de tempo é pague a você mesmo primeiro.

Se você pega uma porção de seu salário no dia em que o recebe e a guarda em forma de poupança ou investimento ou a usa para pagar dívidas, provavelmente nunca sentirá falta desse dinheiro; vai continuar com seus afazeres - comprando seus mantimentos, pagando suas contas -, exatamente como se nunca tivesse tido aquela porção de dinheiro.

Mas se, como a maioria das pessoas, você em vez disso "pagar a si mesmo no fim" — comprando aquilo de que precisa e esperando que sobre algum dinheiro para pôr na poupança -, comumente vai descobrir que não sobrou nada. E não necessariamente porque você desperdiçou. Toda despesa deve ter sido percebida como eminentemente adequada e necessária no momento em que você a fez. O problema é que somos terríveis em planejamentos a longo prazo: se algo parece ser uma prioridade bem agora, é quase impossível avaliar com frieza se ainda vai parecer dentro de uma semana ou um mês. E assim, erramos naturalmente para o lado do gasto — e depois nos sentimos mal por não termos deixado nada para a poupança.

Se determinada atividade realmente lhe importa - um projeto criativo, digamos, embora possa ser também uma que alimente um relacionamento ou um ativismo a serviço de alguma causa -, a única maneira de ter certeza de que vai acontecer é fazer parte dela ainda hoje, não importa quão pequena, não importa quantas outras coisas possam estar pedindo sua atenção. Abel diz que "se você não reservar um pouco de seu tempo para você mesma, agora, toda semana". como ela diz, "não haverá momento no futuro em que você magicamente terá feito tudo e ainda tenha muito tempo livre."

Trabalhar em seu projeto mais importante na primeira hora de cada dia e proteger seu tempo agendando "encontros" com você mesmo e os marcando em seu calendário para evitar a intrusão de outros compromissos, é uma boa escolha.

O segundo princípio é limitar o número de trabalhos em andamento. Talvez o modo mais atraente de resistir à verdade sobre a limitação de tempo seja começar um grande número de projetos de uma só vez; desse modo, você se sentiria como se estivesse fazendo várias coisas ao mesmo tempo e tendo progresso em todas as frentes. Em vez disso, o que comumente acaba acontecendo é que não faz progresso em frente alguma - porque toda vez que um projeto começa a ficar difícil, assustador ou maçante, você pode largá-lo e ir para outro. Com isso, você preserva a sensação de estar no controle das coisas, mas ao preço de nunca terminar nada que seja importante.

A atitude alternativa é fixar um rígido limite superior ao número de coisas nas quais se permite trabalhar em cada dado momento. Uma vez tendo selecionado essas tarefas, todas as demais demandas que venham para seu tempo terão que esperar até que esses três itens tenham sido completados, liberando assim uma brecha. (Também é permissível liberar uma brecha abandonando um projeto totalmente se ele não estiver funcionando. A questão é não se obrigar a terminar absolutamente tudo que começar, e sim banir o mau hábito de manter um número sempre crescente de projetos semifinalizados em banho-maria.)

Fazer essa mudança, embora modesta, em minhas práticas de trabalho produziu um efeito espantosamente grande. Não me era mais possível ignorar o fato de que minha capacidade de trabalho era estritamente finita - porque toda vez que eu selecionava uma nova tarefa de minha lista de coisas a fazer para ser um dos três itens de trabalho em andamento, era obrigado a contemplar todos aqueles que inevitavelmente seriam negligenciados para que eu pudesse me focar naquele. E exatamente porque fui obrigado a confrontar a realidade desse modo - ver que eu estava sempre negligenciando a maioria das tarefas para poder trabalhar em alguma coisa e que trabalhar em tudo ao mesmo tempo simplesmente não era uma opção -, o resultado foi uma poderosa sensação de imperturbável calma, e muito mais produtividade do que em meus dias de obsessiva produtividade. Outra feliz consequência foi que me vi dividindo meus projetos em porções manejáveis, uma estratégia com a qual há muito eu concordava em teoria, mas nunca tinha implementado propriamente. Agora ela se tornara a coisa a ser feita intuitivamente: estava claro que se eu intitulasse "escreva um livro" ou "mude de residência" como

uma de minhas três tarefas em andamento, isso ia travar o sistema durante meses, por isso eu ficava naturalmente motivado a imaginar o próximo passo como algo atingível. Em vez de tentar fazer tudo, descobri que era mais fácil aceitar a verdade de que eu só faria poucas coisas a cada determinado dia. A diferença, dessa vez, foi que eu efetivamente as fiz.

O terceiro princípio é resistir à sedução de prioridades medianas. Warren Buffett sugere que se faça uma lista das principais 25 coisas que se quer na vida e depois as ordene da mais importante para a menos importante. As cinco primeiras, diz Buffett, deveriam ser aquelas em torno das quais ele organizaria seu tempo e as vinte restantes, teria explicado Buffett, não eram as prioridades de segundo escalão às quais ele deveria se voltar quando tivesse oportunidade, longe disso. Na verdade, eram as que ele deveria evitar a todo custo - porque eram ambições cuja importância era insuficiente para que ele as pusesse no cerne de sua vida, mas sedutoras o bastante para distrai-lo das que mais importavam.

Elizabeth Gilbert explica, "é muito mais difícil do que isso. Você precisa aprender como começar a dizer não a coisas que você sim, quer fazer, reconhecendo que tem apenas uma vida".


Perfeição e paralisia

O bom procrastinador aceita o fato de que não pode fazer tudo, depois decide o mais sabiamente possível em quais tarefas focar e quais negligenciar. Em contraste, o mau procrastinador se vê paralisado exatamente porque não pode aguentar a ideia de enfrentar suas limitações. Para ele, a procrastinação é uma estratégia de esquiva emocional - um modo de tentar não sentir a angústia emocional que vem com o reconhecimento de ser um ser humano finito.

As limitações que estamos tentando evitar quando nos envolvemos nesse contraproducente tipo de procrastinação com frequência não têm nada a ver com o quanto seremos capazes de fazer no tempo disponível; em geral, a questão é a preocupação de não termos talento para produzir um trabalho de qualidade suficiente, de que os outros não reajam a ele como gostaríamos ou de que, de algum modo, as coisas não corram como queremos.

Quando nos vemos procrastinando algo que é importante para nós, comumente estamos em alguma versão dessa mesma mentalidade. Não conseguimos ver, ou nos recusamos a aceitar, que qualquer tentativa de levar nossas ideias a uma realidade concreta estaria inevitavelmente aquém de nossos sonhos, não importa quão brilhantemente tenhamos êxito em conduzir as coisas - porque a realidade, diferente da fantasia, é um reino sobre o qual não temos controle ilimitado, e onde não podemos esperar atingir nossos padrões perfeccionistas. Alguma coisa - nossos limitados talentos, nosso limitado tempo, nosso limitado controle sobre os acontecimentos e sobre as ações de outras pessoas - sempre fará nossa criação ser menos do que perfeita.

[Tempo e livre-arbítrio]. Invariavelmente preferimos indecisão a nos comprometermos com um único caminho, escreveu Bergson, porque "o futuro, do qual dispomos a nosso critério, nos aparece sob uma multiplicidade de formas ao mesmo tempo, igualmente atraentes e igualmente possíveis".

Assim que começar a tentar viver qualquer uma dessas vidas, no entanto, serei obrigado a fazer trocas — dedicar menos tempo do que gostaria a um desses domínios a fim de abrir espaço para outro - e aceitar que nada do que eu fizer sairá perfeito, de qualquer maneira, resultando daí que minha vida real inevitavelmente se mostrará decepcionante em comparação com a fantasia. "A ideia do futuro, prenhe de uma infinidade de possibilidades, é assim mais frutífera do que o próprio futuro", escreveu Bergson, "e é por isso que vemos mais encanto na esperança do que na posse, mais em sonhos do que na realidade.' Mais uma vez, a aparentemente desanimadora mensagem é, aqui, na verdade uma mensagem libertadora. Já que toda escolha no mundo real quanto a como viver implica a perda de incontáveis modos alternativos de viver, não há motivo para procrastinar ou para resistir a assumir compromissos, na esperança ansiosa de que você poderá de algum modo ser capaz de evitar essas perdas. A perda é um fato. O navio zarpou - e que alívio.


Inevitabilidade da acomodação

Robert Goodin, um teórico político, diz que somos inconsistentes quando se trata do que definimos como acomodação. Se por um lado a acomodação é inevitável em certa medida, por outro precisamos de uma certa acomodação para viver a vida mais plena.

"Você tem que se acomodar, num modo relativamente constante, com algo que será o objeto de seu empenho, para que esse empenho conte como sendo empenho". Não há possibilidade de um relacionamento romântico ser verdadeiramente gratificante a menos que você queira, por um momento, se acomodar naquele relacionamento específico, com todas as suas imperfeições - o que significa rejeitar a atração sedutora de um número infinito de imaginárias alternativas superiores.

A causa de nossas dificuldades não é que seu parceiro seja especialmente cheio de defeitos, ou que vocês dois sejam especialmente incompatíveis, mas sim que você por fim notou todos os modos como ele ou ela é (inevitavelmente) finito, e assim profundamente decepcionante em comparação com o mundo de sua fantasia, onde as limitadoras regras da realidade não se aplicam.

Você pode se permitir depositar todas as suas esperanças no futuro, mesmo que elas se contradigam reciprocamente - não é menos verdadeira do que uma fantasia de parceiros românticos, que podem facilmente exibir uma série de características que simplesmente não poderia coexistir numa pessoa no mundo real. É comum, por exemplo, entrar num relacionamento esperando inconscientemente que o parceiro forneça um senso ilimitado de estabilidade e um senso ilimitado de excitação - e depois, quando não é isso o que acontece, supor que o problema seja ele ou ela, e que essas qualidades possam coexistir em outra pessoa, a quem você, portanto, se dispõe a encontrar.

A verdade é que as demandas são contraditórias. As qualidades que fazem de alguém uma fonte confiável de excitação são em geral o oposto daquelas que fazem dele ou dela uma fonte confiável de estabilidade. Buscar que uma pessoa tenha ao mesmo tempo 1,65 e 1,80 metro de altura, seria negar um ser humano real, ou seja um absurdo.

Fazemos quase qualquer coisa para evitar tomar uma decisão final, para manter viva a fantasia de um futuro não restringido por limitação, mas, se as tivermos tomado, quase sempre ficamos satisfeitos por termos feito isso.

Quando dois cônjuges concordam em ficar juntos "na alegria e na tristeza", em vez de cair fora quando as coisas ficam difíceis, estão fazendo um acordo que não só os ajudará a resistir aos períodos mais duros como também promete tornar os bons tempos mais gratificantes - porque, tendo se comprometido com um curso finito de ação, eles estarão muito menos propensos a passar esse tempo buscando alternativas fantásticas.

Ao adotar conscientemente um compromisso, estão fechando suas fantasias a uma infinita possibilidade em favor da "alegria de ter perdido algo": o reconhecimento de que a renúncia a alternativas é que faz sua escolha ser tão significativa. E por isso também que pode ser tão inesperadamente tranquilizador tomar atitudes que você estava temendo ou adiando - finalmente apresentar seu relatório no trabalho, ter um filho, enfrentar uma desagradável questão de família ou fechar a compra de uma casa. Quando você não pode mais voltar atrás, a ansiedade vai embora, porque agora só existe uma direção a seguir: em frente, para as consequências de sua escolha.




Extraído do livro Quatro mil semanas: gestão de tempo para mortais, de Oliver Burkeman.




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© 2019 por Luciana Vanini Psicóloga

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